A única nota de beleza é a minha casa
Mais de cinco anos passados sobre o texto que hoje publico, olho para trás, para épocas conturbadas da minha vida, e não posso deixar de interrogar-me se a Dor não será a grande Mãe da Criação...
A única nota de beleza é a minha casa
Olhando o Tejo através da janela do meu quarto, penso em como ninguém compreende porque teimo em manter esta casa. Magnífica. Linda. E eis-me acorrentada de livre vontade a uma casa que me consome energias, sonhos e salários.
Talvez nem eu saiba porque razão gosto tanto dela.
É linda. Em cada recanto de princípio de século, em cada coup d'oeil que lanço pelas janelas, em cada tábua de soalho encerado que geme sob os meus passos, adoro esta casa. No branco das paredes inundado pelo brilho de um pôr de sol ou pelo doce calor de uma aurora. São paredes que habitam a minha alegria ou as minhas tristezas, mas são o que me resta do sonho sonhado. São o meu único "Q" que me dá prazer neste mundo que me é cada vez mais hostil.
Sonho com a cultura, com a arte, com a beleza e com a liberdade. No entanto, vivo aprisionada numa vida feia e estúpida em que a única nota de beleza é a minha casa. O meu quarto andar antiquíssimo neste bairro de Sapadores onde ainda pode pedir-se raminhos de salsa à vizinha do lado.
E ao fundo, no lençol do Tejo, um barco iluminado de verdes e amarelos estrela o céu desta noite nublada.
É certo que sonhei em "servir à mesa em Paris" - por culpa do Polansky e da sua Bitter Moon - mas acabei por acordar (a tempo de evitar o pesadelo). No entanto, sinto em mim energias que preciso libertar de forma criativa e Paris cheirava a descoberta e a chique.
E contudo, fiquei-me por esta velha urbe olisiponense que amo em cada nascer de dia e em cada crepúsculo. A aurora lava o Tejo num beijo de jovem mãe que embala o filho maroto. E o pôr do sol, por entre becos e ruelas, escarnidas e travessas, abençoa esta cidade já liberta dos estranhos que a dilaceram de segunda a sexta-feira e das 9 às 5. E é depois dessa hora que quem gosta da cidade a aprecia, a ama com mais volúpia, com mais intensidade, com mais amor.
E foi nesta casa que descobri - e vou descobrindo - esta cidade, e por isso suo, choro e sofro, mas não a abandono!
(c) Dulce Dias - 1995-10-28
Olhando o Tejo através da janela do meu quarto, penso em como ninguém compreende porque teimo em manter esta casa. Magnífica. Linda. E eis-me acorrentada de livre vontade a uma casa que me consome energias, sonhos e salários.
Talvez nem eu saiba porque razão gosto tanto dela.
É linda. Em cada recanto de princípio de século, em cada coup d'oeil que lanço pelas janelas, em cada tábua de soalho encerado que geme sob os meus passos, adoro esta casa. No branco das paredes inundado pelo brilho de um pôr de sol ou pelo doce calor de uma aurora. São paredes que habitam a minha alegria ou as minhas tristezas, mas são o que me resta do sonho sonhado. São o meu único "Q" que me dá prazer neste mundo que me é cada vez mais hostil.
Sonho com a cultura, com a arte, com a beleza e com a liberdade. No entanto, vivo aprisionada numa vida feia e estúpida em que a única nota de beleza é a minha casa. O meu quarto andar antiquíssimo neste bairro de Sapadores onde ainda pode pedir-se raminhos de salsa à vizinha do lado.
E ao fundo, no lençol do Tejo, um barco iluminado de verdes e amarelos estrela o céu desta noite nublada.
É certo que sonhei em "servir à mesa em Paris" - por culpa do Polansky e da sua Bitter Moon - mas acabei por acordar (a tempo de evitar o pesadelo). No entanto, sinto em mim energias que preciso libertar de forma criativa e Paris cheirava a descoberta e a chique.
E contudo, fiquei-me por esta velha urbe olisiponense que amo em cada nascer de dia e em cada crepúsculo. A aurora lava o Tejo num beijo de jovem mãe que embala o filho maroto. E o pôr do sol, por entre becos e ruelas, escarnidas e travessas, abençoa esta cidade já liberta dos estranhos que a dilaceram de segunda a sexta-feira e das 9 às 5. E é depois dessa hora que quem gosta da cidade a aprecia, a ama com mais volúpia, com mais intensidade, com mais amor.
E foi nesta casa que descobri - e vou descobrindo - esta cidade, e por isso suo, choro e sofro, mas não a abandono!
(c) Dulce Dias - 1995-10-28
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