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Incómodos

Há, em Lisboa, coisas que me incomodam. Coisas que não compreendo porque são assim, e porque não podem ser de outra maneira. Incomodam-me os aparelhos de ar condicionado que despejam sobre quem incautamente passa as suas grossas e desagradáveis gotas de água. Também me incomoda a canalização rota que verte nas velas calçadas portuguesas o precioso líquido, deixando um verde rasto de limos no leito que entretanto, teimoso, cava. Incomoda-me o facto de não perceber a política camarária de limpeza das ruas da cidade. Porque é que há ruas que são lavadas semanalmente e outras que têm direito apenas a uma visita anual da água? Já agora, incomoda-me que as pessoas de uns bairros sejam menos zelosas do seu bairro do que outras, contribuindo para que as ruas estejam sujas, feias e desfiguradas. Ah! Claro - já o disse aqui, mas repito-o -, incomoda-me que haja tanta casa abandonada sem gente em Lisboa. E, já agora, tanta gente abandonada sem casa!

A língua portuguesa

Estive a visitar, como habitualmente, o Gente que Faz , e deparei-me com um excelente post colocado por Miss Mossoró, sob o título Nem só de livros técnicos vive o homem de negócios . Miss Mossoró fala da fraca qualidade da escrita. Fala dos erros de ortografia e mesmo dos de sintaxe. Fala da realidade brasileira actual. Pois é!! Mas podia muito bem estar a falar de Portugal que o panorama seria o mesmo! É certo que a internet tem destas coisas! As pessoas escrevem cada vez pior. A emergência do passar a mensagem leva-nos a escrever cada vez mais rápido, a enviar o e-mail sem o rever, a es k ecer as sílabas complicadas, transformando-as noutras mais simples, a considerar - talvez sem pensar - que o importante da msg é o conteúdo e não a forma! Ora, ao longo de milénios, a forma e o conteúdo andaram de mãos dadas e está convencionado que assim seja! E como a sociedade é feita de convenções, torna-se desastroso alterá-las ad hoc . Recentemente, numa lista de discussão, falava-se sobre

Lisboa em Agosto

É Agosto, mês de férias. Eventualmente, este é um dos melhores meses para se viver em Lisboa. Quem não a ama, consome os dias em infernais filas intermináveis rumo à Costa ou ao Algarve. Quem não a ama, foge daqui a sete pés, em conjunto com todos os outros milhares de pessoas que diariamente para aqui vêm trabalhar, queixando-se do trânsito. Agora, estão todos satisfeitos na mesma fila de trânsito a caminho da mesma praia, onde vão queixar-se todos do mesmo excesso de veraneantes... Eu? Eu fico por Lisboa. Tenho-a toda só para mim! As ruas estão quase desertas, os carros são poucos, os transportes públicos estão libertos e arejados. Lisboa dá-se-me em cada Agosto. Entrega-se-me como uma amante apaixonada e sem peias. E eu retribuo-lhe em dobro o seu amor, com toda a ânsia de quem sabe que o tempo chega ao fim, que Agosto acaba e que os romances de férias têm outras formas de continuação - mas nunca se repetem! Ou talvez só no próximo Agosto!!

Enlaçar-te de carinhos como Amo esta Lisboa

Queria conhecer o teu corpo como conheço esta Lisboa, cada esquina, cada beco, cada rua, cada viela... Queria percorrer-te as linhas, acariciar-te os seios com o deleite de descer Alfama e tocar o Chafariz. Queria descobrir-te os segredos, os gemidos e os ais como desfloro recantos de uma Baixa abandonada. Queria cobrir-te de beijos como abraço a Madragoa e enlaçar-te de carinhos como Amo esta Lisboa. (c) Dulce Dias – 1998-03-20

Calcorrear Lisboa

Enquanto o Sol beija o Tejo desço a Rua do Alecrim aspirando olisipos odores. Para trás fica o Chiado, à espera que "o metro em Pessoa" se abeire da velha Brasileira. Sorvo o ar matinal - invadido de perfumes de mulheres bonitas - e sinto renascer em mim energias redobradas. Uma nova vontade invade-me - com a intensidade das cores dos prédio RECRIAdos que se me imprimem na retina – e impele-me a ir mais alto, mais forte, mais longe. Calcorrear Lisboa é ter coragem de assumir o sonho - todos os sonhos! - é acreditar que tenho direito a tudo, e ter Força para lutar por isso. Calcorrear Lisboa é saber que o mundo é maior que o pensamento, é assumir o NÃO gritado às segundas escolhas, é despir-me de preconceitos e mágoas e vestir-me de luta e de conquista. Como o Martin, eu também tenho um sonho. - E vou lutar por ele! (c) Dulce Dias – 1998-01-19

Do Tejo até Cascais

Há um Tejo a banhar-se nas margens desta Lisboa - e mesmo para lá dela. A trovoada enraiveceu este Tejo manso que se joga sobre a costa como as lavadeiras de antanho batiam as roupas nas pedras da ribeira. Lisboa e o Tejo amam-se. A forma como ele se arremessa sobre ela é a de um amante apaixonado e sequioso de amor e de amplexos de prazer. Em face de mim, um casalinho pouco mais do que adolescente transborda a sua paixão em beijos e pedidos de carinho - logo, logo satisfeitos. O sol invade este velho combóio e uma aura doce liberta-se do jovem casal. O Tejo perdeu o azul da manhã, tornou-se cinzento raiado de espuma branca, e estende se agora ao longo da Marginal, molhada, ela, da chuva de há pouco. Agitadamente, ele, vai murmurando a sua fúria em direcção à barra. O céu quis contrariá-lo. Despiu-se do seu fato cinzento-trovoada e vestiu-se de anil, também ele, no entanto, raiado de branco, do branco das nuvens que passam em fato de passeio. As palmeiras e os abetos que convivem ao lo

Quero colorir esta Lisboa

Esta noite, Lisboa adormeceu chuvosa. Mas quem a ama, sabe gostar dessas suas lágrimas que a lavam e rejuvenescem... Quero colorir esta Lisboa Quero colorir-te, Lisboa. Expressar no papel as impressões dos verdes, dos rosas, dos ocres. E dos azuis também. Quero rasgar-te de Luz beijar-te de Rio e amar-te despida em cada manhã de sábado. Percorro-te as entranhas de escadas e escadinhas muito tímidas. Perscruto-te a alma de cada água-furtada aberta sobre a Vida. As minhas mãos querem acariciar o teu corpo quente. No entanto, estás fria, enrugada, velha e gasta. Caem-te os cabelos, curvam-se-te as costas, choram-se-te as portas enferrujadas. De ti, prostituta de rosto sofrido, queria ser teu cirurgião: fazer-te um lift ou outro que tal, recuperar-te a fronte e elevar-te o sorriso - com franqueza! até uma prostituta deve ser bela! E tu és o fogo que me alimenta a alma. Acalmas-me o espírito em lojinhas de bairro. Desejas-me bons dias em gatos vadios ou lambes-me as lágrimas com teus raios

Adeus a Sapadores

Ainda e sempre no baú inédito dos meus rascunhos! Adeus a Sapadores Coimbra tem mais encanto, na hora da despedida . E Sapadores tem a mesma magia de sempre. Fui hoje despedir-me daquele 4.º andar do n.º. 7 da Rua Capitão Humberto Ataíde. Não vou negar a pena que senti por deixar aquelas escadas íngremes e velhinhas, por não voltar a ver a nesga de Tejo que me fazia agradecer por acordar viva. O sol lavava o rio em cada parto matinal e, juntamente, as minhas mágoas e dores. É um sol que não voltarei a ver igual, por vezes baço e fazendo um esforço para romper o nevoeiro que resguardava o rio, outras vezes imponente e majestoso, erguendo a sua força sobre um rio que traz à cidade um turbilhão de gentes ensonadas e violentadas no sono da manhã. Como é linda a minha cidade com a cara lavada por uma manhã de sol primaveril! Mas agora tenho à minha frente este mar infindo, e por isso fui dizer o derradeiro até sempre à minha mansarda tão alta que nem em cima de uma cadeira lhe conseguia tro

Prefiro uma nesga de rio a uma imensidão de mar

Sem computador e numa casa desfeita, sinto-me só e sofrida. Deram-me o sol inteiro e um oceano a perder de vista. Em troca, levaram-me a minha nesga de rio e a minha cidade fetiche. O meu ancien quartier foi substituído por um bairro novo-rico e muito kitsch , de casas quadradas como paralelepípedos tombados e de elevadores que impedem as pessoas de comunicar. Tudo o que sempre não quis veio para mim, como castigo. Sofro, é verdade, e ninguém sabe porquê, porque gosto tanto desta cidade de sete colinas íngremes que só sabem amar a quem as ama e as respeita; porque gosto tanto do triângulo de rio que me espreita em cada manhã, e agora cada vez mais intensamente porque ele e eu sabemos que é o adeus. Um adeus aos lamentos futuros com cheiro a saudade das noites de raiva, de prazer, de nostalgia... Ninguém sabe compreender que eu prefira uma nesga de rio a uma imensidão de mar. Mas sou assim. Gosto de águas-furtadas com cheiro a História, de escadas íngremes e protectoras de intrusos, de

O que em mim ficou desarrumado

Olá!! Dois blogs é "trabalho" a dobrar, mas é também prazer a dobrar. Para já, faço convosco, leitores, um pacto: Vou tentar manter independentes os temas tratados num lado e noutro. Evitarei repetir o mesmo assunto, o mesmo tema. Trata-se de dois espaços com espíritos diferentes, que devem ser respeitados. Assim, aqui continuarão os esquissos de prosas e de poesias, a Lisboa e os outros amores. Lá, ficam os debates da Liberdade. Feita a ressalva, aqui deixo o rascunho de hoje. Um leitor-amigo perguntou-me se não escrevo poesia... e acabámos a trocar poemas. Escrevo pouca poesia, é certo. Mas, para testar reacções, hoje tirei este esquisso de soneto do baú e pu blog uei-o! Espero que também gostem! O que em mim ficou desarrumado Arrumei, outrora, um pecado meu como costumo arrumar tudo mais. Pensei, naquela altura, que jamais abriria esse armário cor de breu. Enganei-me. A vida prega, afinal, estas partidas: remexe gavetas, abre memórias, cava valetas. Apunhála-nos de forma b

Livres

Acabei de ser convidada pelo Sérgio Buaiz - que eu "conheço" de outras lides mais marketinguianas - para participar no blog Livres ( www.livres.com.br ). Para mim, é uma imensa honra ombrear com autores como o Sérgio, o Hernani Dimantas e, claro, o "pai" do meu blog, o Paulo Bicarato ! Espero, sinceramente, estar à altura da liberdade, da discussão e da interrogação. Obrigada a todos!