O cão preto da Praça José Fontana


Gosto do jardim da Praça José Fontana. É pequeno, acolhedor e híbrido... sui generis nas gentes estranhas, diferentes, bizarras e heterogéneas que diariamente o povoam.

Por vezes, pela manhã, o sol irriga de vida os canteiros molhados ainda do orvalho nocturno.

Os pombos passeiam-se junto ao bebedouro público, ou então debicam os vermes à superfície da terra recém-arada pelos jardineiros camarários.

Nos vários bancos daquele pequeno jardim há um melting pot à dimensão alfacinha. Mendigos e sem-abrigo contam estórias da vida uns aos outros, sonhando, quiçá, com uma outra vida que não conseguem ter.

À hora do almoço, naqueles mesmos bancos, encontramos yuppies nos seus fatos Armani, indiferentes a quem, no banco ao lado, pouco tem para vestir.

Sob outra árvore, sobre outro banco, escriturárias pirosas comem umas sandes, depois de terem gasto o dinheiro ali, na Zara, em roupas sempre iguais que fazem questão de mostrar às amigas.

Há também casais mais ou menos estranhos. Simples parzinhos de jovens namorados, eventualmente alunos do Liceu de Camões, mesmo em frente, ombreando com prostitutas e seus chulos.

Ao fundo, uma mulher de olhos orientalizados é uma habituée do jardim. Tem os cabelos tão pretos como o cão que sempre a acompanha. Brincalhão como poucos, simula que vem ao meu encontro, a correr, e no exacto segundo em que vou acariciá-lo, muda de trajecto, afasta-se de mim e fica lá ao longe, a olhar-me com um prazenteiro sorriso estampado no simpático focinho negro. Ela, a dona, sorri-me e acena-me, linguajando algo num idioma que não conheço.

Deixo para trás o jardim. Desço os três quarteirões que me levam à redacção e entrego-me a mais um dia iluminado pela Vida que passa lá fora.

(C) Dulce Dias – 2001-10-28

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