Abandono

Tenho lágrimas nos ossos
e chuva no rosto.
Secam-se-me as vestes
no frio do corpo.
Inerte. Torpe.
A mente atrofiada
fala-me de futuros de loucura
onde a impressão da dor
imprime sulcos de cor
na noite sórdida da vida.

Caem-me os dentes.
Partem-se-me as pernas.
Tombam os sonhos
que nem quimeras amarfanhadas
em moinhos de ventos... nucleares.

Sou menos que um átomo
na poeira cósmica,
menos que a pulga
em pêlo fofo,
menos que a gota
em poça suja.

Menos que ele, menos que o outro
e aqueloutro e mais alguns.

Sou a imagem do meu farrapo
- que o meu farrapo já se puiu.

Sou o murmúrio do meu silêncio
- que o meu silêncio se prostituiu.

Eu sou aquele e sou o outro
e muitos outros e mais alguns.

Sou o queiras ou que não queiras,
sou o que seja o teu clamor.

Sou um Van Gogh, un Einstein,
Sou um Tchaikovsky, um Eisenstein.

Eu sou aquele e sou o outro
em todos eles eu me reencontro.

E em mim me perco
- por mim me perco
e fico mais perto do abandono.

(c) Dulce Dias - 1997-11-05

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