A democracia francesa

Há cinco anos, quando cheguei a França, Le Pen passava à segunda volta das eleições presidenciais. Foi um choque, em terras gaulesas, este segundo lugar do carismático líder da extrema-direita, na primeira volta das presidenciais.

Este ano é, novamente, ano de eleições. E, apesar de Jean-Marie Le Pen voltar à carga e se declarar disposto a batalhar novamente pela presidência da França, e apesar do confortável quarto lugar nas intenções de voto dos franceses, se calhar, nem será candidato.

Porquê? Por causa da lei eleitoral francesa. Para se ser candidato à presidência, é preciso recolher as assinaturas de 500 presidentes de câmara. Cada presidente - "Maire" - só pode, no entanto, patrocinar uma única candidatura. Mas, como a França tem cerca de 30 mil câmaras municipais, contas feitas, pode haver um total de 60 candidatos à presidência.

Isso é na teoria, porque, na prática, a quinze dias do prazo limite para a entrega oficial das candidaturas, dos 46 candidatos a candidatos apenas cinco já têm as suas 500 assinaturas. Le Pen faz parte do que ainda não as têm. Mas não é o único. Imensos candidatos de esquerda ou de extrema-esquerda - ecologistas, trotskistas, trabalhistas... - como de direita ou extrema-direita - conservadores, caçadores... -, nomes conhecidos e habituais destas lides eleitorais, também não conseguiram ainda reunir os indispensáveis autógrafos.

A que de se deve este estado de coisas? A França ainda está em estado de choque com o resultado alcançado por Le Pen, em 2002. Um resultado que advém, não só do mérito próprio do candidato - Le Pen tem, não o esqueçamos, uma base fiel de seguidores, apoiantes e eleitores - mas, dizem os analistas, da divisão da esquerda. Uma miríade de candidatos de esquerda e de extrema-esquerda levaram a uma tal dispersão dos votos desta mesma esquerda que o seu único candidato capaz de passar à segunda volta - Lionel Jospin - acabou por não conseguir reunir os votos necessários para ter mais peso do que Le Pen.

Este ano, das duas, uma - ou mesmo as duas:
1) Os "maires" não querem patrocinar Le Pen, para que não se corra o risco de o ter, novamente, na segunda volta.
2) Os "maires" não querem patrocinar uma nova dispersão dos votos - nem à esquerda, nem à direita... Na falta de alternativas, a esquerda dita liberal agregar-se-á em torno da socialista Segolène Royal, e a intitulada esquerda anti-liberal votará na histórica da Força Operária, Arlette Laguiller, ou na histórica do PCF, Marie-George Buffet; à direita, sem representantes de pequenos partidos, os eleitores terão a opção entre Nicolas Sarkozy e o centrista François Bayrou.

Se assim for, Le Pen - cujas ideias e política abomino, diga-se de passagem - ficará fora da corrida eleitoral, apesar de ter reunido mais de 4,8 milhões de votos na primeira volta do escrutínio de há cinco anos. Mas de fora ficarão, igualmente, outros candidatos cuja presença nas eleições do próximo dia 22 de Abril seria justa e legítima, tendo em conta que pertencem a partidos representados na Assembleia Nacional ou no Parlamento Europeu ou que ultrapassaram a barra do milhão de votos numa das duas eleições presidenciais anteriores.

A confirmar-se este cenário, independentemente de quem vencerá as eleições, a vencida será só uma e está declarada à partida: a Democracia.

Outras informações e opiniões (em francês):
- Trois semaines pour 500 signatures
- Signatures et Démocratie - la censure des « petits » partis par le scrutin majoritaire
- Les 500 parrainages, garantie démocratique

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