Aristides de Sousa Mendes - um cônsul rebelde, uma referência humanista


Homenagem a uma grande figura portuguesa

Aristides de Sousa Mendes - um cônsul rebelde, uma referência humanista

Há 67 anos, entre 17 e 24 de Junho de 1940, um diplomata desobedecia às ordens do Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, António de Oliveira Salazar e, num gesto de grande humanismo, que o marcará até ao final dos seus dias, salva milhares de homens, mulheres e crianças, da fúria do III Reich e do início da Segunda Guerra Mundial

Aristides de Sousa Mendes nasceu perto de Viseu, em Julho de 1885, numa família aristocrática, conservadora, católica e monárquica. Cursou Direito na Universidade de Coimbra, tendo, à semelhança do seu irmão gémeo, ingressado na carreira diplomática, onde desempenhou diversos cargos em Zanzibar, no Brasil, nos Estados Unidos, em Espanha e na Bélgica, onde ficou dez anos, tendo recebido, do rei Leopoldo III, a mais alta condecoração belga: Comendador da Ordem da Coroa.

Em 1938, Salazar assina a ordem de transferência do diplomata Sousa Mendes, então o mais antigo funcionário do corpo diplomático, afectando-o ao consulado de Bordéus, em França. Com o início da Segunda Guerra Mundial, Salazar emite a circular 14, destinada aos consulados, proibindo a atribuição de vistos a diferentes categorias de pessoas, entre as quais, os apátridas e os judeus.

A ofensiva alemã fez deslocar para a cidade de Bordéus, além do Governo francês, milhares de refugiados que procuravam, nas cidades fronteiriças, forma de abandonar a França. Centenas de pessoas dirigem-se ao consulado de Portugal, onde esperavam obter um visto que lhes permitisse atravessar Espanha, chegar a Portugal e partir para os Estados Unidos. Sousa Mendes, desobedecendo às imposições da circular, cujos propósitos considera racistas e desrespeitadores da dignidade humana, começa a passar alguns vistos aos refugiados; que entretanto enchiam os espaços interiores e o jardim do consulado.

Entre estes refugiados encontra-se o rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que o exorta a ajudar o máximo de pessoas que pudesse. Sousa Mendes encontra-se entre a sua consciência, ancorada à sua crença em Deus, e a desobediência, à hierarquia, de um alto funcionário até então exemplar.

Num acto de heroísmo e altruísmo, decide começar a passar vistos a todos aqueles que os solicitassem, a um ritmo incansável e quase ininterrupto, durante dias. A Polícia Política Portuguesa e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, informados da situação, enviam dois funcionários a Bordéus, alegadamente para lhe garantirem protecção no regresso a Lisboa.

Sousa Mendes, sabendo que milhares de refugiados se concentravam igualmente em frente ao consulado de Baiona, cujo cônsul se recusava a desobedecer às imposições da circular, desloca-se ao consulado e, apresentando-se como seu superior hierárquico, toma em mãos a responsabilidade de emitir mais alguns milhares de vistos. Desloca-se em seguida ao posto fronteiriço de Hendaia, onde constata que as autoridades espanholas recusam a passagem às pessoas munidas de um visto passado por Sousa Mendes: Madrid enviara ordens para fechar a fronteira de Espanha com a França.

O diplomata dirigir-se então a um pequeno posto fronteiriço, improvisando novos vistos. Esta passagem não estava equipada, do lado espanhol, de telefone, e o guarda fronteiriço desconhecia as últimas ordens de Madrid e, impressionado pela atitude do cônsul, deixa-o passar e, com ele, centenas de refugiados.

A nobreza do acto deste cônsul português salvou cerca de 30.000 pessoas, entre as quais 10.000 judeus. Entre estes, destacam-se figuras importantes da época, que recorreram ao cônsul Aristides de Sousa Mendes para obter um visto: Otto de Habsburgo, filho do Imperador Carlos I da Áustria; a grã-duquesa Charlotte do Luxemburgo; o primeiro-ministro luxemburguês, Pierre Dupond, e os membros do seu governo; vários ministros do governo belga; Salvador Dalí; e o já citado rabino de Antuérpia, entre outros.

De regresso a Portugal, Aristides de Sousa Mendes é acusado de desobediência e falsificação de documentos, suspenso durante um ano, reformado compulsivamente com direitos limitados, proibido de exercer a sua actividade de jurista e os seus filhos foram proibidos de frequentar a universidade.

Na miséria e doente, Sousa Mendes sobrevive graças à solidariedade da comunidade judia de Lisboa. Os seus filhos vão estudar nos Estados Unidos, com o apoio de muitos daqueles que Sousa Mendes salvou, ao passar um visto. Em Abril de 1954, Aristides de Sousa Mendes morre no hospital franciscano, em Lisboa.

O reconhecimento chega-lhe de Israel, em 1966 e, em Portugal, apenas em 1987 começa o processo de reabilitação de Aristides de Sousa Mendes.

Aristides de Sousa Mendes foi, sem dúvida, um Homem de uma grande coragem e devoção a Deus e de uma grande dignidade humana. De funcionário exemplar passou a ser humano revoltado, ousado e subversivo, um Humanista que marcou o século XX, mas que ainda não teve, da Pátria Lusitana, o reconhecimento merecido.


Texto de Custódio Portásio, publicado também em Nós cá fora
Mais informações em www.sousamendes.com


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