Sobre o acesso à profissão de jornalista

Infelizmente, em Portugal, qualquer pessoa decide estudar qualquer coisa de que gosta e depois desembarca no jornalismo, ignorando ou fazendo por ignorar, que o jornalismo, a comunicação e afins são áreas específicas, com técnicas próprias, e que o tempo do "jeitinho" para escrever já lá vai.

Infelizmente, há muita gente que ainda não percebeu que não é obrigatoriamente por perceber muito de Relações Internacionais que esse alguém se torna num bom jornalista na área internacional.

A profissão de jornalista está, em Portugal, ao abandono. Sabem porque é que o sector não consegue receber todos os jornalistas formados? Porque está saturado com profissionais vindos de outras áreas, porque alguns editores e directores também defendem que para escrever sobre economia é melhor um economista do que um jornalista.

É claro que não pretendo, com isto, dizer que todos os jornalistas (de formação) são excelentes em todas as áreas. Nem pouco mais ou menos.

No entanto, penso que é mais fácil a alguém que conhece as técnicas, os conceitos e as teorias da comunicação e do jornalismo vir a tornar-se um excelente jornalista numa determinada área, do que o contrário. Isto é, que alguém que seja perito numa determinada área - Economia, Direito, Relações Internacionais... - venha a ser realmente jornalista.

Continuo a referir que há excepções e que, de um lado e de outro, há bons e maus profissionais e gente com muitas capacidades ou nem por isso.

No entanto, eu, pessoalmente, defendo que o tempo em que tínhamos medo da ditadura e da censura já acabou e que, por isso mesmo, está na hora de mudar a lei - a lei que diz que todos devem ter acesso à profissão de jornalismo.

A lei foi feita no tempo em que não havia cursos de jornalismo, em Portugal, logo após à bem-vinda Revolução do 25 de Abril (de 1974). É normal que, nesse contexto, o acesso à profissão fosse livre.

Hoje, quando se exige mais e mais profissionalismo, um melhor desempenho e quando toda a gente tem cursos superiores, deixa de fazer sentido que o advogado venha trabalhar para o jornalismo, obrigando o jornalista a procurar emprego na construção civil ou nos restaurantes. Sim, porque o jornalista, na prática, não tem acesso a mais nenhuma profissão com a mesma facilidade com que qualquer pitufo recém-licenciado em qualquer área acede à nossa.

Por isso, defendo que está na hora de fechar as portas do jornalismo a quem não tenha formação na área. Não estou obrigatoriamente a referir-me a cursos superiores de jornalismo - como o que tenho -, mas a algum tipo de formação que permita aos candidatos à profissão dominar as ferramentas jornalísticas e as técnicas correctas para a devida comunicação da mensagem.

Com isto, não pretendo tirar a ninguém o direito de expressão. Mas não podemos confundir "a profissão de jornalista" com o "direito de alguém a expressar publicamente a sua opinião" - um direito que assite a qualquer médico, advogado, diplomata ou político, bem como, obviamente, ao cidadão comum.

Deixo para outra eventual oportunidade toda e qualquer discussão sobre a qualidade, ou não, dos actuais cursos de jornalismo existentes no mercado português.

(c) Dulce Dias - 24-01-2003

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